hoje frustrado pela
não vida que gerei
pelo desejo que concebi
pelo filho que não posso ter,
fico a olhar as gerações
pelas quais passei
e por mim foram educadas,
atendidas, acalentadas
e tenho saudades
do meu afilhado que criei
durante o tempo que pude.
hoje frustrado pela não vida
que de mim sai todo dia,
estou cansado da vida toda,
dela inteira com meus desafios,
dela inteira sem o fluir
que eu sempre busquei.
estou cansado de ser o que sou
e que lutei para construir
e ninguém aqui morar.
casa vazia, coração vazio,
sentimento vazio, bolso vazio
e ainda vou ter que aturar minha cabeça dizendo:
"então o coração tá vazio? o sentimento ta vazio?"
achando que tudo tem que ser
ao redor do seu umbigo.
estou falando e nada me ouve,
nada quer me ouvir e continuo
gerando e parindo
essa não vida diária.
essa não vida diária
me mata pouco-a-pouco,
como se milhares de buracos
sangrassem em meu corpo,
até que por falta de sangue
eu viesse a morrer.
mas como morrer,
se não vidas eu gero todo dia?...